A diversidade do jornalismo empreendedor latino-americano

Por María Eugenia Álvarez *

O ecossistema de meios digitais independentes da América Latina é diverso: um mercado onde é possível encontrar organizações com e sem fins lucrativos, cobrindo temas gerais, muito locais ou de nicho, inovadores na forma de contar histórias, mas também na forma de ganhar dinheiro.

Os dados que surgem do processo de candidatura para a Velocidad, uma aceleradora de meios criada pelo ICFJ e a SembraMedia, com o apoio da Luminate, revelam algumas dessas tendências. O objetivo da Velocidad é promover a sustentabilidade e crescimento de projetos jornalísticos nativos digitais ou com uma estratégia de crescimento focalizada no digital, de alta qualidade jornalística e independência editorial, e que tratem temas de interesse público. 

A aceleradora está em processo de seleção de um grupo de 8 a 10 meios empreendedores que receberão a partir de 2020 uma injeção de fundos e consultoria para melhorar suas áreas de sustentabilidade. Na etapa inicial da convocação foram recebidas 356 solicitações de 20 países da região. 

Diversificação para ser sustentável

Os dados mostram a tendência desses meios para diversificar suas fontes de renda nos seus modelos de negócios. Aproximadamente, 70% dos meios concentra seus modelos de negócio em cinco fontes de renda: publicidade de venda direta, conteúdo patrocinado ou para clientes, doações individuais e subsídios ou grants. Nessa diversidade de fontes de receitas, há também serviços de consultoria ou capacitação, publicidade programática, pesquisas especiais, realização de eventos, venda de produtos e merchandising que levem em consideração a essência do meio. 

Os meios empreendedores da região se encontram em pleno processo de experimentação de uma diversidade de fontes de receitas na busca de independência econômica e de chegada até suas audiências ou comunidades. 

As equipes dos meios digitais independentes, na maioria, contam com integrantes dedicados ao conteúdo, entretanto, quase a metade dos meios (46,7%) já tem com uma pessoa ou uma equipe dedicada ao negócio. Este fator é relevante porque é evidente que contar com pessoas dedicadas à sustentabilidade financeira ajuda a melhorar as possibilidades de êxito e o crescimento. 

A pesquisa Punto de Inflexión, publicada pela SembraMedia em 2017, onde foram estudados 100 meios da Argentina, Brasil, Colômbia e México, mostrou que as receitas anuais aumentam 3000% nos meios que pagam o salário de, pelo menos, uma pessoa da área comercial.

Outro dado sobre os meios que se candidataram para a Velocidad é que 63,4% dos meios que se candidataram estão constituídos como organizações com fins lucrativos, e 51,1% tem uma Diretoria. Esta informação mostra que, no contexto da diversidade, os meios buscam a possibilidade de se constituírem de forma legal e institucional, de acordo com as melhores oportunidades do país e do mercado.

Mulheres líderes

À diferença do que acontece na imprensa tradicional, da qual a WAN-IFRA – a Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias – indica que por cada três homens que trabalham em uma redação, há uma mulher, nos meios nativos digitais independentes da América Latina esses números são diferentes e positivos. 

Na pesquisa Punto de Inflexión se detectou que 68% dos meios contam com mulheres nas funções de direção, e que elas constituem 44% do total de fundadores no ecossistema. 

No caso dos meios que responderam a convocação da Velocidad, essa tendência mostrou estar aumentando na região: 59,7% dos meios que se candidataram têm, pelo menos, uma mulher entre os fundadores.  

Estes dados são significativos porque indicam um avanço da liderança das mulheres no ecossistema de meios.

Cada vez são mais as mulheres com papéis decisivos em equipes gerenciais e na fundação dos meios nativos digitais. Os meios empreendedores na região oferecem a possibilidade de esquivar o teto de cristal, construir seus próprios meios de comunicação e suas próprias agendas. 

Conteúdo

Quanto à diversidade observada na análise feita, para além de veículos sobre temas gerais ou de pesquisa jornalística, os principais assuntos tratados por esses meios são: sociedade e direitos humanos, política, cultura e entretenimento e meio ambiente.

Entretanto, observou-se que há uma nova tendência de certos meios da região para tratar e cobrir questões de gênero, diversidade e temáticas muito locais das cidades.

Há conteúdo relevante e de qualidade que está trazendo à tona temas negligenciados pela pauta do jornalismo. É evidente que esses meios encontram o valor agregado realizando ações inovadoras e de jornalismo colaborativo para poder realizar coberturas regionais que lhes permitem ter maior visibilidade e impacto.

Dos meios que se candidataram para a Velocidad, 67% está trabalhando forte com audiências de nicho. Essa uma particularidade que os diferencia dos meios tradicionais. 

Aprendizagens

O processo de candidatura para a Velocidad representou uma experiência de aprendizagem e análise interna de enorme valor para os jornalistas empreendedores. Até aqueles que participaram da primeira fase do processo de seleção afirmaram que essa candidatura permitiu fazer uma reflexão interna que lhes permitiu questionar pela primeira vez aspectos da organização do trabalho, fazer uma reformulação dos objetivos ou começar a considerar diversas fontes de financiamento que não tinham explorado, ou nem sequer tinham levado em conta.

Alguns meios até fizeram com que sua comunidade participasse desse processo, mediante consultas abertas e interações para responder certas perguntas relativas à candidatura – acerca dos objetivos no médio e longo prazo, sobre o impacto dos conteúdos ou sobre os interesses de sua comunidade – o que é uma busca pela fidelização da audiência por parte do meio.

Um dos aspectos de destaque da análise das candidaturas é que existe uma enorme necessidade de apoio e capacitação para os líderes desses meios – jornalistas fundadores, na maioria-, especialmente para a incorporação de habilidades financeiras, administrativas, de gestão de equipes ou de gestão integral do meio. Isso, além da necessidade evidente de incorporar pessoal especializado na matéria. 

O conteúdo de qualidade é o insumo indispensável para contar com um meio de êxito potencial, entretanto, ficou demonstrado que não constitui uma garantia de sustentabilidade. O ecossistema de meios da região demonstra que não existe uma receita única e que nem todas as fontes de financiamento são aplicáveis a todos os meios, mas a diversificação de fontes de receitas, dependendo do contexto local, político e econômico de cada meio pode ser um fator-chave para o êxito.

Meios de comunicação de 20 países se candidataram para a Velocidad: 65 da Argentina, 8 da Bolívia, 48 do Brasil, 14 do Chile, 50 da Colômbia, 7 da Costa Rica, 4 de Cuba, 24 do Equador, 5 de El Salvador, 9 da Guatemala, 2 de Honduras, 52 do México, 8 da Nicarágua, 5 do Panamá, 9 do Paraguai, 8 do Peru, 3 do Porto Rico, 14 da República Dominicana, 6 do Uruguai  e 15 da Venezuela. 

O processo de seleção da Velocidad está sendo realizado em diferentes etapas, ao longo de oito meses, mediante diferentes metodologias de estudo e análises de candidaturas, documentação e entrevistas. Neste processo participam mais de 15 especialistas da América Latina e inclui jurados internacionais. Em dezembro, serão anunciados os vencedores.

Além do valor agregado que cada meio que passou pelo processo da Velocidad vai obter, ao finalizar o processo completo, os resultados e os meios fortalecidos podem refletir a aprendizagem em todo o ecossistema de meios da região. 

*Coordenador do Diretório da SembraMedia.