Conhecer a audiência e criar produtos monetizáveis: o caso do El Pitazo (Venezuela)

Autor: Sebastián Ortega

O El Pitazo nasceu em 2014 com o objetivo de contar não só o que se passava em Caracas, na Venezuela, principal foco de interesse da imprensa nacional e internacional, como também nas regiões do interior do país. Em pouco tempo, o El Pitazo conseguiu construir uma grande rede de correspondentes e colaboradores e hoje é um dos poucos meios com presença em todo o território venezuelano. Esta estrutura, que demanda um volume considerável de recursos, depende quase exclusivamente de fundos de cooperação. Por isso, quando o meio entrou na aceleradora Velocidad, ele o fez com uma meta clara: diversificar suas fontes de receita.

O El Pitazo considerou primeiro implementar um programa de membros que desse ao meio uma maior autonomia econômica e garantisse a sustentabilidade no futuro. Mas no contexto da crise institucional, social e econômica que a Venezuela atravessa, um programa de membros era uma aposta complexa. Especialmente por causa do investimento necessário para colocá-lo em prática, a pouca receita vinda da audiência local e a falta de penetração no país desse modelo de financiamento.

Nos primeiros encontros com os consultores do Velocidad, os integrantes da organização descobriram que também existiam alguns obstáculos internos. O principal deles era um grande desconhecimento sobre sua própria audiência. Antes de pensar em um plano de sucesso, eles deviam ter claro quem eram esses leitores que queriam converter em “superaliados” (sócios ou membros que apoiam o El Pitazo). Em pouco tempo a resposta chegou: o foco principal ia ser colocado na diáspora, principalmente aquela que tinha conseguido se estabelecer profissional e economicamente em outro país e poderia encontrar no El Pitazo um vínculo afetivo e informativo. Com quase 6 milhões de migrantes venezuelanos espalhados no mundo todo, o objetivo seria captar a atenção de compatriotas estabelecidos nas três cidades com maior afluência: Miami, Madri e Bogotá.

O primeiro passo: conhecer a audiência/strong>

Os primeiros momentos do El Pitazo na aceleradora envolveram uma importante reestruturação interna do meio. Antes do Velocidad, 98% da equipe trabalhava na geração de conteúdo e apenas 2% estava alocado na busca de financiamento e na gestão dos recursos econômicos. “Uma das grandes contribuições do Velocidad foi a criação de uma área de sustentabilidade, uma equipe que foi diversificada e que é formada por uma coordenadora de monetização, uma de membros, uma de comercial, um editor de newsletter e uma designer”, explica Yelitza Linares, líder de negócios e parcerias e chefe de projeto do Velocidad durante o processo de aceleração.

A partir do trabalho nas consultorias técnicas e táticas de métricas e audiência, o meio realizou uma série de pesquisas e estudos para segmentar e analisar a interação dos usuários com os conteúdos. Uma primeira análise do Google Analytics revelou que 90% da audiência acessava o site do celular e 45% o fazia do exterior. O painel de exploração de audiência do Google News Initiative permitiu que eles segmentassem os usuários em três grandes grupos: leitores casuais, leais e potencialmente leais.

Os leitores ocasionais contribuem com grande volume de tráfego e permitem gerar receita a partir da publicidade programática, mas muito dificilmente ajudam a sustentar um programa de membros. Os leais, por outro lado, são um grupo muito menor, porém mais fiel. Uma pesquisa de audiência (respondida por 853 pessoas, entre leitores leais e potencialmente leais) permitiu conhecer a imagem que eles tinham do meio e sua propensão a se tornar um membro: 44% disseram estar dispostos a apoiar o meio e outros 47,5% responderam “talvez”.

A partir de conversas com os consultores do Velocidad, eles definiram que deveriam potencializar os produtos voltados para os venezuelanos que vivem no exterior. Nesta etapa, foi fundamental a consultoria de audiência de Maite Fernández, que os guiou no desenvolvimento de um estudo de mercado para conhecer em detalhes as necessidades informativas desses grupos.

Depois de realizar 200 questionários e pesquisas aprofundadas, eles identificaram o grupo que deveriam mirar: aquelas pessoas que vivem no exterior já há algum tempo e mantêm vínculos afetivos com a Venezuela. O novo desafio era pensar em produtos informativos específicos para essa audiência.

Em julho de 2021, o El Pitazo lançou uma newsletter chamada Guayabo, uma palavra que os venezuelanos usam para definir uma sensação de nostalgia ou saudade. Desde então, todas as sextas-feiras, a jornalista Mireya Tabuas, que mora no Chile há sete anos, compartilha fotos e casos de outros compatriotas no exterior, histórias sobre bebidas e comidas típicas e propõe debates sobre as palavras venezuelas mais usadas no exterior. “Às vezes, quem foi embora não quer ouvir as notícias ruins da Venezuela, porém ainda têm família aqui, há sabores, música, toda uma gama de valores que os reconecta com o país”, explicou Linares.

O sucesso da newsletter, que atualmente tem 2.200 assinantes, os incentivou a criar um evento virtual ao vivo – também chamado Guayabo – para promover o produto e chegar a um novo público. “Falamos sobre esses mesmos temas, mas com pessoas famosas que estão na diáspora”, contou Linares.

Além dessas ações específicas, a consultoria de audiência teve um grande impacto interno no meio. Foi criada a Diretoria de Audiência, que tem agora reuniões no início do dia e à tarde. Nos encontros, eles analisam as métricas, as tendências e constroem uma agenda diária com foco na personalidade do El Pitazo.

Três pilares para desenvolver um bom produto

“O trabalho com a equipe do El Pitazo teve um foco muito importante na viabilidade de novos projetos e sua monetização oportuna. Focar o olhar nas fontes de receita foi um processo importante na hora de lançar novas iniciativas jornalísticas para a comunidade do meio”, explica Nicolás Piccoli, consultor estratégico da Fase 2. “Por exemplo, a Guayabo foi uma nova newsletter desenvolvida com grande qualidade e estilo por parte do meio, e um primeiro passo para se conectar com um público com o qual até o momento não se tinha um diálogo específico. Além disso, funcionou como um MVP (Mínimo Produto Viável) para realizar uma análise de sua potencial monetização e agregar valor jornalístico à já conhecida oferta do El Pitazo”.

O El Pitazo desenvolveu ainda novas newsletters e os Forochats como produtos com a ideia de monetizá-los em um futuro no qual possam, ao mesmo tempo, contribuir com a fidelização do público local.

“Conhecer a audiência reforçou e refinou o desenvolvimento de conteúdos utilitários”, explicou o diretor do El Pitazo, César Bátiz.

No começo da pandemia, por exemplo, eles lançaram uma newsletter específica sobre o coronavírus, outra sobre “notícias boas” semanais — muito importante em um contexto de crise, no qual a maioria das notícias são negativas — e renovaram uma newsletter de agenda cultural a partir dos novos modos de consumo trazidos pelo isolamento por causa da COVID-19. Para contornar as limitações de acesso à internet e o constante bloqueio do site, algumas newsletters têm sua versão para WhatsApp e Telegram, como Contamos Victorias e o Guía de Casa.

Para incentivar os vínculos com o público local tendo em vista o programa de membros, eles também criaram um Conselho de Participação de Infocidadãos, um grupo de 13 pessoas voluntárias que foram capacitadas para pensar estratégias e contribuir com a divulgação de informação útil para a cidadania.

Para o lançamento desses novos produtos, foram muito importantes as lições incorporadas na consultoria de Produto, a cargo de Ezequiel Apesteguía. “Partimos da base para entender os três pilares do produto: experiência do usuário, negócio e tecnologia. A partir daí, com essa matriz, eles puderam avaliar todos os problemas que deveriam enfrentar”, explicou o consultor.

Eles aprenderam com Apesteguía a pensar os projetos com base no tempo e esforço que demandam e no impacto que podem gerar. Foi uma mudança de cultura dentro da redação, ou seja, pensar pequeno, testar, medir o sucesso e em seguida escalar para um projeto maior. “Menos esforço, mais impacto” virou o mantra para a equipe do El Pitazo.

Hoje, o meio não pensa nos produtos apenas sob o ponto de vista editorial. Eles pensam também nos recursos (humanos, tecnológicos e econômicos) que os produtos demandam, na eventual contribuição desse produto para a ampliação e fidelização das audiências e a possibilidade de diversificar as fontes de receita.

Transformações e lições

Ainda que o El Pitazo seja um meio nativo digital, desde seu nascimento ele apostou em conteúdos presenciais. Em diferentes partes do país, os integrantes do meio organizavam oficinas, sessões de cinema, projetavam notícias em telões na saída dos jogos de beisebol. O evento principal era o tradicional Café con El Pitazo, uma reunião em que algum especialista se aproximava da comunidade para conversar sobre temas de interesse geral e colaborar com a solução de problemas.

O isolamento que veio com a pandemia os obrigou a desenhar novas maneiras de chegar à audiência. Os consultores do Velocidad os acompanharam nesse processo. Os Cafés se converteram nos Forochats, encontros semanais virtuais pelo WhatsApp nos quais são discutidos temas como corrupção, eleições, crimes sexuais e escassez de gasolina, dentre outros. Em média, há entre 200 e 257 participantes (o máximo permitido pelo aplicativo).

Os Forochats contribuíram muito para a fidelização da audiência e o aumento do tráfego do site. Em agosto de 2020, a Fundação Gabo incluiu essa experiência em seu Laboratório de Inovação.

Desafios 

Os objetivos estipulados no início do Velocidad foram alcançados durante o processo de aceleração: em pouco mais de um ano, o meio conseguiu dobrar o número de usuários únicos e de visualizações de páginas. Em setembro de 2021, o meio teve 88,39% mais usuários em relação ao mesmo mês do ano anterior e 84,18% mais visitas para o mesmo período analisado, graças ao conhecimento adquirido nas áreas de audiência e marketing digital.

Até o final da aceleração eles conseguiram colocar em funcionamento o programa de membros e redesenharam o sistema de pagamento para que ele ficasse mais simples e focado em usuários de celular.

O grande desafio para o futuro é completar esse processo de captação e fidelização da audiência na diáspora e convencê-los da importância de colaborar com o jornalismo independente de qualidade. Há uma grande oportunidade pela frente. A Venezuela segue sendo um país que gera atenção mundial: os conteúdos do El Pitazo podem ser atraentes para a comunidade internacional em geral e em particular para os milhares de venezuelanos na diáspora.

FICHA TÉCNICA:

País: Venezuela

Data de fundação: 8 de dezembro de 2014

Temas abordados: meio de comunicação generalista com foco no jornalismo local, saúde, educação, serviços públicos, informação de utilidade, jornalismo investigativo e diáspora.

Modelo de negócios: programa de membros, subvenções, publicidade direta, publicidade programática, patrocínios, venda de produtos, oficinas e eventos.

Equipe: 70 integrantes

Receitas:

Crescimento de receitas 2018-2019: 0,60%

Crescimento de receitas 2019-2020: 260,18%

Outros impactos de destaque:

O El Pitazo recebeu o segundo prêmio no Concurso Nacional de Jornalismo Investigativo concedido pelo Instituto de Imprensa e Sociedade da Venezuela (IPyS na sigla em espanhol) por seu artigo “Fraude vertical: os ginásios de Maduro que não trouxeram paz, e sim negócios”. No discurso de aceitação do prêmio, o diretor César Batiz fez uma menção especial aos leitores como parte importante do projeto, insistindo que a colaboração e parceria na divulgação permitem que o El Pitazo tenha impacto.