Sustentabilidade para contribuir com soluções: o caso do RED/ACCIÓN (Argentina)

Por Lucía Cholakian Herrera

Sob o lema “jornalismo humano”, a RED/ACCIÓN nasceu na Argentina em abril de 2018 com a proposta editorial de “hackear” a negatividade no ambiente de mídia. Eles usam o formato do jornalismo de soluções, consideram os problemas sociais e propõem debates e possíveis saídas. Um total de 80% dos conteúdos estão voltados para a cobertura de seis temas: crise climática, gênero, educação, saúde, sustentabilidade e tecnologia.

Chani Guyot, o fundador, conta que desde o começo eles apostaram na sustentabilidade que era pouco habitual nos veículos do ecossistema. “Buscar receitas e aplicá-las não era o bastante; necessitávamos encontrar nossa própria forma de sermos sustentáveis”, disse.

O Velocidad foi uma peça chave no processo para essa conquista. Hoje, em um país com uma inflação anual de 50%, a gestão financeira alcançada por meio da criação da agência de conteúdo FIBRA e a diversificação de receitas permitiu que o veículo garantisse sua sobrevivência.

“Demos o pontapé inicial dentro do Velocidad, e na fase 2 pudemos fazer a consolidação. O tempo que dedicamos a isso nos permite pagar os salários dos jornalistas que fazem o jornalismo que queremos”, destaca.

FIBRA: da ideia à materialização

No início da aceleração do Velocidad, a equipe da RED/ACCIÓN tinha o compromisso de criar um jornalismo que dialogasse com sua audiência e contribuísse com a busca de soluções inovadoras para problemas sociais. Embora tenha nascido com um programa de membros próprio, o veículo não tinha uma rota definida para o seu crescimento.

Nicolás Píccoli, consultor estratégico do veículo durante a primeira etapa, ressaltou que o desafio foi fazer um trabalho tecnológico para conseguir realizar a transição de membros para usuários: fortalecer o sistema de gestão de clientes (CRM na sigla em inglês) e seus produtos: os conteúdos e as newsletters. “Trabalhamos muito com métricas, sobretudo na consultoria com Maite Fernández (especialista em audiência), para entender a jornada dos usuários: detectar quem eram e conseguir converter esses leitores esporádicos em leitores fiéis”, explica Nicolás.

A fase 1 focou no aperfeiçoamento do sistema com o qual a RED/ACCIÓN já contava e em entender que seus produtos eram uma fonte de receita que podia contribuir muito com sua sustentabilidade.

“Havia ali uma oportunidade”, recorda Guyot. “Não só de receitas como também de não perder o norte e deixar de fazer um jornalismo aberto focado na audiência.” Eles limparam e organizaram as bases de dados e newsletters, começaram a trabalhar com call to actions para os membros, propuseram interação através das redes sociais e até criaram canais de comunicação para que os repórteres compartilhassem o processo de produção de matérias com os membros.

Guyot e Agustina Campos, diretora geral da RED/ACCIÓN, entenderam que a transformação na primeira etapa não estava relacionada só com as mudanças nos processos de trabalho, mas sim, sobretudo, com a mentalidade na hora de encará-los. “Sabíamos que bom jornalismo não era o bastante e que precisávamos de ajuda”, conta.

Outra ação que Píccoli destaca foi a de envolver os jornalistas na estratégia financeira. “O Chani Guyot interveio para que toda a equipe estivesse a par da forma de financiamento e pudesse se comprometer com o crescimento do programa de membros. A partir de então, houve um envolvimento dos jornalistas desde a produção e cobertura, e eles agiram para divulgar o sistema de membros e fortalecê-lo”, disse.

Após o treinamento e o tempo investidos na Fase 1, durante a qual houve um incremento no volume de audiência e a fidelização de novos usuários, a Fase 2 de aceleração trouxe um grande desafio: diversificar as receitas. Há algum tempo a RED/ACCIÓN trabalhava com empresas prestando serviços de comunicação, porém esse trabalho estava muito disperso. Junto com Isabela Ponce, consultora estratégica durante essa etapa do programa, eles se propuseram a organizá-la e sistematizá-la para que se convertesse em uma fonte de receitas estável.

Foi assim que surgiu a FIBRA, agência de conteúdos com propósito para marcas conscientes. Agustina Campos explica: “nós víamos um potencial no nosso trabalho com as marcas e entendemos que criar uma unidade de negócios que o centralizasse era uma boa forma de alcançar nossa sustentabilidade. Nós não vendemos produtos; queremos estabelecer temáticas. As marcas gostam do nosso olhar e isso nos permite contribuir com nosso jornalismo para que as mudanças não se deem apenas a partir da RED/ACCIÓN”.

Entre os clientes estão Globant, Accenture, Iniciativa Spotlight, Telefónica e Techo: o veículo leva às empresas e organizações seus saberes adquiridos sobre equidade, inclusão, diversidade, comunicação com responsabilidade social, perspectiva de gênero e olhar ambiental, e contribui assim com peças de comunicação que permitem às marcas gerar consciência corporativa e se adequar aos tempos atuais.

Além de encontrar na FIBRA uma via para sua sustentabilidade, Campos e Guyot acharam uma possibilidade de gerar mais alcance para a visão do veículo sobre tópicos importantes para a sociedade. Hoje a agência representa 54% das receitas da RED/ACCIÓN e é uma das principais chaves para que a equipe possa manter seu objetivo inicial. “Agora é um projeto estruturado que está em pleno crescimento e o objetivo é que tenha mais visibilidade e que se internacionalize”, afirma Ponce, que acompanhou o processo de formação da agência.

Parcerias como estratégia de diversificação

Isabela Ponce acompanhou o processo de ordenação e estruturação daquilo que hoje é a agência, desde as consultorias onde se perguntava qual identidade dariam à FIBRA até as reuniões para pensar como seria o fluxo de trabalho. Ela contribuiu com a busca de clareza nos processos, papéis, precificação e modelos de negócio.

As consultorias de gestão, métricas, finanças, produto e programa de membros permitiram à RED/ACCIÓN muito mais do que colocar a agência para funcionar. Entre os êxitos de diversificação de receitas se destaca também a parceria com o Infobae — veículo com maior audiência na América Hispânica — chamada “Soluções para a América Latina”, graças à qual foi criada uma seção com artigos focados no jornalismo de soluções. Isso, além de reforçar o compromisso com um jornalismo diferente, permite que eles ganhem visibilidade como veículo e expandam o alcance de seu trabalho.

Tanto trabalho e novos processos exigiram uma ampliação da equipe: com o crescimento experimentado durante o programa de aceleração, eles contrataram uma designer gráfica, um responsável pelo comercial da FIBRA e mais colaboradores de jornalismo. Mas a contratação que a equipe mais destaca foi a de um CFO (chefe de finanças, na sigla em inglês) sob demanda: Emilio Busadas, que trabalha na RPA, uma consultoria para startups. Emilio ajudou a colocar em dia a operação financeira da RED/ACCIÓN, aferindo o trabalho e os recursos com os quais o veículo contava para analisar a situação e, com isso, planejar o futuro. “Em um país onde a economia encolheu 9,9% e a inflação segue acima dos 50%, os acordos sindicais estão defasados em 15 a 18%, o investimento publicitário caiu 29%, as consultorias e o trabalho que fizemos no Velocidad foram favoráveis para obtermos ferramentas. Uma gestão financeira eficiente neste contexto é a diferença entre sobreviver ou morrer”, disse Chani, “e esse caminho é muito mais fácil com ajuda”.

Como aconteceu com outros veículos que fizeram parte do Velocidad, a lição de que “só o bom jornalismo não basta” e o reconhecimento da importância das finanças para um veículo digital foi uma das mudanças de mentalidade mais importantes para Guyot e Campos. “Embora eles não tivessem conhecimentos sobre finanças, eles se empenharam e foram muito profissionais em tudo que fizemos. Trabalhamos intensamente no plano de negócios, discutimos possíveis modelos de financiamento, expliquei a eles como preparar relatórios para os atuais e potenciais novos investidores. Eles também incorporaram ferramentas para o cálculo de custos e para elaborar as propostas para os clientes ou avaliar quais clientes podem ser mais rentáveis ou mais estratégicos”, ressaltou Mario Postay, consultor tático da Fase 2.

Essas ferramentas foram muito importantes para que eles pudessem analisar o presente e projetar o futuro do veículo, algo que até aquele momento não tinham feito. “O Velocidad e projetos do tipo são fundamentais para o jornalismo na região, tão pressionado pelo contexto econômico e político. Acho que há riscos de que o diálogo social se empobreça por falta de perspectiva e inovação, e acredito que as novas perspectivas e inovação costumam vir de lugares pequenos e médios”, ressalta Guyot.

O desafio de garantir a sustentabilidade no futuro

“As duas cabeças da equipe [Guyot e Campos] conseguiram dividir entre si as funções da melhor maneira possível e delegar à equipe responsabilidades que antes caíam sobre eles; eles melhoraram as habilidades de liderança”, conta Isabela. Agustina Campos é agora diretora da FIBRA, dedica seu trabalho a coordenar a agência que conseguiram consolidar, e Chani pode dedicar mais tempo à coordenação das atividades editoriais.

O crescimento da RED/ACCIÓN em relação ao começo do Velocidad foi de 80% a 100% em todas as métricas de alcance: leitores de matérias e newsletters, seguidores nas redes sociais e o negócio. “Entramos no Velocidad com dois anos de existência, com um projeto que ainda vivia de seu investimento inicial, buscando um modelo de negócios; saímos tendo atingido a sustentabilidade e um break even [equilíbrio entre gastos e receitas] operacional”, ilustra Guyot.

O desafio para o futuro é manter todo esse processo de crescimento com autonomia. Depois de ter alcançado a sustentabilidade econômica com o acompanhamento do CFO sob demanda, eles têm, entre outras metas, o objetivo de integrar um CFO de forma permanente a partir de março de 2022, para continuar com o progresso que permita atingir um alcance em escala latino-americana. “Acreditamos que o jornalismo serve para mudar o mundo, não somente para falar sobre ele; e essa ideia de que o nosso jornalismo pode propiciar o compromisso social é um caminho longo, mas esperamos que esse impacto siga crescendo”, finaliza. Nesse sentido, a aceleração foi o pilar para acompanhar esse processo: o de seguir trabalhando para transformar a realidade.

FICHA TÉCNICA:

País: Argentina

Data de fundação: 2018

Temas que aborda: crise climática, gênero, educação, saúde, sustentabilidade e tecnologia

Modelo de negócios: programa de membros, conteúdos para clientes, conteúdo patrocinado, consultoria, publicidade e subsídios para projectos especiais

Equipe: 18 pessoas

Receitas:

Crescimento de receitas 2018-2019: 183,10%

Crescimento de receitas 2019-2020: 153,01%

Outros impactos de destaque:

  • A RED/ACCIÓN propôs a criação da Rede de Jornalismo Humano com oito veículos de diferentes países da região. A rede permite que os veículos envolvidos republiquem conteúdos com recorte social de seus parceiros. Dos oito participantes, quatro fizeram parte do Velocidad: RED/ACCIÓN (Argentina), LadoB (México), Cerosetenta (Colômbia) e El Toque (Cuba); também fazem parte Salud con Lupa (Peru), GK (Equador), La Vida de Nos (Venezuela) e Mi Voz (Chile). Esta ação contribui com a estratégia de ampliação de audiência e visibilidade dos conteúdos.
  • Lançamento do espaço Cozinha da RED/ACCIÓN para os membros. O encontro, no qual a equipe conta como funciona o veículo e os processos dos projetos, foi criado para promover a participação dos membros e dar mais transparência ao veículo.
  • O Spotify incluiu em sua lista de reprodução “Caminho Diário” — que inclui conteúdo de notícias e música atualizado ao longo do dia — o FOCO, podcast da RED/ACCIÓN lançado durante a aceleração. Este reconhecimento permite que mais pessoas possam escutar o podcast e agrega visibilidade ao veículo.